sexta-feira, 14 de julho de 2017

Gibraltar e os Madeirenses



Por ocasião da II Guerra Mundial, entre 1940/45, a Madeira acolheu 2.500 pessoas provenientes de Gibraltar, uma pequena região peninsular, no extremo sul da península ibérica, com uma estreita fronteira terrestre a norte com a Espanha e à entrada do Mediterrâneo. O objetivo foi evacuar aquele "Rochedo" para que pudesse ser fortificado contra um ataque alemão. Muita população emigrou também para a Grã Bretanha e Jamaica (em 1942, havia mais de 30000 militares britânicos em Gibraltar).
No Parque de Santa Catarina, no Funchal, encontra-se, desde 2008, um monumento em homenagem aos gibraltinos. Ali constam os nomes de todos os refugiados, que morreram na Madeira, a maior parte vítima de uma epidemia de tifo. Este monumento foi oferecido pela Comunidade de Gibraltar e simboliza, também, a gratidão do Povo de Gibraltar pelo carinho com que foram recebidos pelos madeirenses naquele momento difícil.

Os gibraltinos, sobretudo mulheres e crianças, chegaram ao Funchal, entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940  e foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares. Permaneceram na Madeira, até ao fim da II Guerra Mundial. Integraram-se bem e criaram laços de amizade com os madeirenses em geral. Durante a permanência destes na Ilha realizaram-se alguns casamentos entre gibraltinos e madeirenses, nasceram crianças e alguns  permaneceram lá até aos nossos dias.

Café Kit Kat no Funchal
A cidade encheu-se de uma nova dinâmica, de um maior movimento nas ruas, nos cafés e nos estabelecimentos comerciais, depois da chegada dos gibraltinos. As mulheres frequentavam os cafés sózinhas, o que não era comum naquela época no ambiente fechado da Madeira.
Outra coisa que causava controvérsia era o facto de muitas gibraltinas usarem calças, coisa que naquela altura pouquíssimas mulheres tinham a ousadia de vestir.
Ainda me recordo da minha mãe dizer que as mulheres usavam sandálias de salto alto, soltas no tornozelo e que ouvia-se o "chinelar" e o falar tipico e alto a alguma distância. Talvez a introdução desta moda num meio pacato, tenha feito que a minha mãe "abominasse" chinelos e achasse um sapato fechado sempre muito mais chique... e parece também que provocou choque na Madeira daquela época as cores garridas da roupa das gibraltinas, as quais, diga-se, foram no fundo uma lufada de ar fresco na rotina madeirense.

O paquete João Belo da CCN
A Aunt A contava que durante a guerra, numa viagem do Funchal a Lisboa, o paquete João Belo, onde viajava, foi desviado para Gibraltar. No romance biográfico "Os Ibis Vermelhos da Guiana" a escritora Helena Marques dá conta desse facto. Ancorado por uns dias em Gibraltar, sem poder enviar notícias aos familiares, sentiram o lançamento de bombas de profundidade, durante o dia, a  fim de evitar a aproximação de submarinos alemães e, à noite, viam aviões militares a sobrevoar Gibraltar (o facto de os navios serem interceptados por unidades navais aliadas ou inimigas era normal em situação de guerra. Este mesmo navio já tinha sido interceptado por um cruzador inglês, que aprisionou passageiros alemães a bordo)

"Horas depois do João Belo zarpar do Funchal, foi abordado por um contratorpedeiro britânico, que enviou a bordo um escaler com diversos oficiais...o mais recente boato que corria no salão era o de que o navio seria desviado para Gibraltar..." (Os Ibis Vermelhos da Guiana)



Ao longo dos anos o rochedo de Gibraltar tem mostrado o seu poderio a todos os que se aproximam por terra, mar ou ar, dada a sua importância estratégica. Já foi habitado por cartagineses, romanos, vândalos, muçulmanos e espanhóis. O brazão de Gibraltar consiste num triplo castelo com uma chave dourada, concedido em 1502 pelos Reis católicos "à mais leal cidade de Gibraltar". É também parte da sua bandeira.



O território foi cedido à Grã Bretanha pela Espanha no Tratado de Utrecht em 1713, como parte do pagamento da Guerra da Sucessão Espanhola.

A Espanha mantém a reivindicação sobre o Rochedo, o que foi totalmente rejeitado pela população gibraltina, no Referendo de 1967.

Em 1969, o General Franco fechou a fronteira, a qual foi reaberta em 1982 (só para peões) e, em 1985, também à circulação de veículos.


O Rei Felipe VI de Espanha está em visita oficial ao Reino Unido. No seu discurso em Westminster apelou a um novo acordo sobre o futuro de Gibraltar e pediu mais garantias para os direitos de cidadãos espanhóis a viver no Reino Unido, após o Brexit. Note-se que a única monarca inglesa a visitar Espanha foi a Rainha Isabel II, em 1988.

Recordo-me que o Rei Juan Carlos não foi ao casamento do Príncipe Carlos com Diana Spencer, em 1981, exatamente porque os noivos anunciaram uma passagem, durante a lua de mel, pelo disputado território de Gibraltar...

Referências:

http://www.cm-funchal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=210%3Agibraltar&catid=79%3Aacordos-de-geminacao&Itemid=247

https://www.gibraltar.gov.gi/new/

http://restosdecoleccao.blogspot.com/2011/04/paquete-joao-belo-e-ccn.html

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