quarta-feira, 3 de março de 2021

O Palácio Foz em Lisboa

 


Lisboa não é uma cidade de palácios e palacetes, como encontramos noutras capitais europeias. A sua beleza não se deve à beleza arquitetónica da maioria dos seus edificios, mas a uma variedade de fatores, que passam pela sua localização, junto ao rio Tejo, as suas sete colinas e a luz, que se reflete na cor de Lisboa.

Existiram palácios importantes, que sucumbiram com o terramoto de 1755 e outros palacetes construídos após essa catástrofe, que foram demolidos para dar espaço a edifícios sem graça, a partir dos anos 50-60 do século passado.

Acabei de ler um livro que conta histórias muito interessantes do Palácio Foz, aos Restauradores, nas suas diversas fases, desde a construção até a atualidade.

Não é um livro com bonitas fotografias coloridas, que depois de lido serve de decoração numa mesa. As poucas fotografias são a preto e branco. É um livro para lermos e nos deliciarmos com as suas histórias.




Parece fazer pouco sentido a atribuição do nome Foz aquele palácio. O Conde da Foz, foi um dos donos, mas apenas por cerca de dez anos, ao passo que os Condes de Castelo Melhor é que o mandaram edificar e foram proprietários durante cerca de cem anos. 


Luís de Vasconcelos e Sousa, 3º Conde de Castelo Melhor

O título de conde de Castelo Melhor foi criado por D. Filipe II. Já o 2º conde comandou tropas portuguesas na Guerra da Restauração com D. João IV no trono, com o apoio do seu filho, José Luís Vasconcelos e Sousa- o 3º conde de Castelo Melhor, que lutou com bravura, a quem devemos que a Restauração se tenha consolidado e o rei incapacitado, D. Afonso VI, seja conhecido na História como o "Vitorioso". Foi um político e diplomata muito hábil, que conseguiu o apoio do rei contra os apoiantes da rainha/ regente D. Luísa de Gusmão e chegou a governar como primeiro-ministro com todos os poderes.

O golpe de estado  que depôs o Rei e colocou no poder o seu irmão D. Pedro II teve como consequência a prisão de D. Afonso VI no Palácio de Sintra, onde permaneceu isolado nos seus aposentos, durante nove anos e o exilio do 3º Conde de Castelo Melhor, primeiro para Itália e mais tarde para Londres, onde residia D. Catarina de Bragança, casada, desde 1662, com o rei inglês Carlos II (D. Catarina era irmã de D Afonso VI e D. Pedro II e amiga do Conde). Quando aquele monarca britânico morreu em 1685 e a rainha foi acusada de envenenamento em conspiração com o médico, o Conde de Castelo Melhor teve importância em ilibar a rainha, que o recompensou financeiramente. Quando regressou a Portugal aplicou esse dinheiro efetuando melhoramentos nas casas, que já lhe pertenciam, junto à Calçada da Glória, as quais ruiram com o terramoto de 1755.

A construção do edifício original do Palácio Foz começou em 1777, o ano em que D. José I morreu e D. Maria, que detestava o Marquês.de Pombal, assumiu o trono, motivo pelo qual lhe retirou todos os cargos. O palácio ficava mesmo à entrada do Passeio Público, obra marcante de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.

No reinado de D. José, por decreto real, foi atribuido ao 5º conde de Castelo Melhor o título de 1º Marquês de Castelo Melhor. Havia quem considerasse que ele é que deveria ser o verdadeiro Marquês de Pombal, onde há anos a sua família, oriunda de Pombal, detinha os cargos mais importantes. O Marquès de Pombal terminou os últimos anos da sua vida em Pombal, onde tinha uma casa humilde. Diz-se que para ofuscar a casa senhorial dos Castelo Melhor mandara construir uma prisão e um celeiro, tapando-lhes a vista e que como vingança os Castelo Melhor construíram um Palácio nos Restauradores, onde o Marquês de Pombal criou o Passeio Público (José Hermano Saraiva).


Pombal, 2011 ( a antiga prisão, agora museu Marquês de Pombal)


O Passeio Público nasceu da reconstrução da cidade pombalina do século XVIII. Em 1838 estava gradeado a toda a volta. Fora construído um lago com repuxo, que encantava os lisboetas. Em 1886 o Passeio Público deu lugar ao primeiro troço da Avenida da liberdade, que foi inaugurada juntamente com o monumento dos Restauradores.

A construção do palácio foi lenta. Com as invasões francesas, a partida da Corte para o Brasil e a ocupação inglesa, o ambiente político e social não era propício (Xavier 26). Quando o palácio ficou pronto (1858) o 5º Marquês de Castelo Melhor tinha dezassete anos. Foi residência dos Castelo Melhor até 1888.

Com a construção do caminho de ferro alguns terrenos do palácio iriam ser expropriados, pois o túnel do Rossio atravessaria os seus jardins. Usando esta desculpa, o Conde da Foz, ligado à administração dos caminhos de ferro compra o desvalorizado palácio dos Castelo Melhor e consegue que o túnel venha a passar alguns metros atrás... (Xavier, 52)
O Conde da Foz acumulara uma fortuna. Foram desta época a compra de outras duas propriedades, em Torres Novas e Cascais


Palácio e Quinta de Santo António em Torres Novas


Palacete em Cascais, hoje em dia hotel Albatroz

Em 1886, quando D. Carlos casou, o Conde da Foz recebeu o título de marquês. No Palácio dos Restauradores iniciou melhoramentos e adquiriu obras de arte para o seu recheio, tornando o Palácio Foz um "centro mundano, onde se viriam a realizar festas sumptuosas e requintadas" (Xavier 55)


O Palácio Foz


O palácio adquiriu o aspecto que conhecemos hoje em dia, na Praça dos Restauradores. A construção do  Hotel Avenida Palace  é desse tempo.
Em 1891, os lisboetas são confrontados nas noticias com um escândalo: o Marquês da Foz fora preso. A Companhia dos Caminhos de Ferro não conseguia fazer face aos encargos e já não obtinha financiamento.  Em 1901, realizou-se um grande leilão, onde foram vendidas muitas das preciosidades do Palácio Foz. O palácio fora alugado ao proprietário do Anuário Comercial, que o subalugou a diversos comerciantes.
 
A embaixada (legação) dos EUA foi instalada numa parte do palácio, em 1903.

Em 1910, o palácio, propriedade do Crédito predial foi vendido ao 1º Conde de Sucena. Não é sem razão que José Hermano Saraiva no seu programa Horizontes da Memória chama ao episódio sobre o Palácio Foz "Três Condes e Um Palácio". Tinha adquirido a sua fortuna no Brasil e chegado a Portugal teve necessidade de ostentar o seu património. O Palácio dos Seteais, em Sintra, também foi comprado por ele nessa altura.


Palácio de Seteais, hoje em dia um hotel de luxo

Em 1917, foram inauguradas a Pastelaria Foz e o seu restaurante subterrâneo A Abadia


Pastelaria Foz


Restaurante Abadia


Também funcionou no Palácio Foz o Clube Maxim até 1940. Tinha prestígio e foi ponto de diversão de espiões, durante a Guerra de Espanha e inicio da II Guerra Mundial.
O Sporting Club de Portugal também teve a sua sede no Palácio Foz durante sete anos, no entanto foi obrigado a abandoná-lo em virtude daquele imóvel ter sido destinado à instalação de serviços do Secretariado Nacional de Informação (SNI).

Em 1940, o Estado Português comprou o Palácio Foz à Caixa Geral de Depósitos, pois entretanto o Conde de Sucena abrira falência.

A partir de 1947, SNI era sinónimo de Palácio Foz e este de censura.

Hoje em dia está sedeado no Palácio Foz A Inspeção-Geral das Atividades Culturais, uma associação de turismo e a loja dos Museus, entre outros organismos.

Nota: Todas as fotografias foram tiradas da net, com exceção da de Pombal, que tirei em 2011.

Referências:

Xavier, António. Histórias do Palácio Foz. Aletheia, 2019
Saraiva, José Hermano. Horizontes da Memória: Três condes e um palácio. 2001

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