Tenho uma grande admiração pelo Cardeal Sean O`Malley. Enquanto vivi nos EUA (1999-2005) fui a muitos convívios, nos quais estava presente e, frequentemente, ficava sentada a seu lado. Fala português com fluência, pois é doutorado em Literatura Espanhola e Portuguesa. Perguntava sempre pelos meus filhos e interessava-se com o que lhe contava das atividades escolares. A minha filha frequentava o 2º ciclo e teve o projecto de gerir um orçamento familiar, com base nos rendimentos "atribuídos" pela professora, sabendo que 10% da sua quantia e da do "marido" eram obrigatoriamente transferidas para uma conta poupança. Achei muito interessante este trabalho, porque tratava-se de uma maneira de perceber o valor das coisas. O bispo O´Malley também gostou da ideia e no encontro seguinte ainda se lembrava.
Nessa altura éramos convidados para assistir a duas grandes cerimónias religiosas típicas dos Açores, de onde era oriunda a maioria da população daquela região de Massachusetts: O Senhor Santo Cristo e o Santíssimo Espírito Santo. Eram convidadas as pessoas mais importantes da localidade, quer civis quer políticos, portugueses e americanos. Logo que nos via, cumprimentava-nos sempre de maneira amável. Quando o convidámos para um jantar de homenagem ao filho de Aristides de Sousa Mendes, telefonou a desculpar-se por não poder estar presente, pois não iria estar em Massachusetts. Um autêntico gentleman.
Fundou o Centro Católico Hispano, organização que fornece ajuda educacional, médica e jurídica a imigrantes. Lembro-me de contar uma história que me deixou muito emocionada: um imigrante enviava todos os meses dinheiro para a sua família, que ficara na terra natal, só que a mulher nunca recebia; e, passado um ano, pensava que o seu marido nos Estados Unidos se desinteressara dela e dos filhos. Foi aí que o padre quis saber o que se passava. O homem afirmou que remetia dinheiro todos os meses para a família, apontando então para o outro lado da rua da Igreja, onde colocava o que poupava e enviava, o caixote do lixo, que tinha a forma e cor do marco de correio da sua terra...
As mensagens, discursos e pregações do cardeal O´Malley fascinam com a sua experiência pessoal e as relações humanas, que foi construindo. Depressa nos apercebemos da sua enorme cultura e das muitas leituras que faz e cita, despretensiosamente. O recurso ao humor é uma das suas características.
Foi ordenado bispo em 1984 e nomeado para as Ilhas Virgens, em 1985. Na sua Diocese vivia a famosa atriz Maureen O´Hara. Posteriormente foi transferido para a diocese de Fall River, em Massachusetts. Foi aí que o conheci, em 1999. A primeira vez que me falaram dele foi por causa de uma manifestação, em New Bedford, para a libertação de Timor Leste, em que esteve presente.
Graduation Day 2002 |
Quando o meu filho acabou a escola secundária, recebeu o diploma das mãos do Bispo de Fall River.
No Dia de Portugal esteve presente na receção do Consulado de Portugal em New Bedford, pela primeira vez.
Em 2002, foi enviado para Palm Beach, Flórida, como Bispo, para substituir os anteriores, afastados por abuso sexual de menores.
Em 2013, o Papa Francisco escolheu-o para o Conselho dos Cardeais, grupo internacional de assessores do Papa. Em 2014, tornou-se Presidente da Pontífica Comissão Para a Proteção de Menores.
Quando soube que saiu um livro da sua autoria tive muita curiosidade em lê-lo. Até pelo título. Alguns capítulos são homilias, outros conferências em que participou. Além dos aspectos de doutrina da Igreja, escreve sobre o Papa Francisco " Um Papa jesuíta franciscano" e conta uma anedota, que há anos contou ao meu marido, que fez a escolaridade num colégio jesuíta - São João de Brito: "Um Jesuíta e um Franciscano são abordados por um jovem que lhes pergunta, Senhores Padres sabem-me dizer que novena devo fazer para ter um BMW? O Franciscano perguntou: "O que é um BMW?" E o jesuíta: "O que é uma novena?"
Aliás, o humor está presente em todo o livro: "um bispo disse, uma vez, que as três mentiras mais comuns dos sacerdotes são: eu não tenho dinheiro...essa mulher é minha irmã... e eu rezei por si".
No entanto, quando aborda o tema da pedofilia é muito duro e aconselha a visualização do filme Spotlight. "O abuso de crianças aparece e desenvolve-se numa atmosfera de sigilo e ocultação. A Igreja tem de ser líder na denúncia deste grave problema humano. Para isso, temos de dizer claramente que nenhum clérigo ou religioso que tenha abusado de uma criança será permitido continuar no ministério"; e "Um grama de prevenção vale um quilo de cura".
Cardeal Sean O´Malley. Procura-se Amigos e Lavadores de Pés. Paulinas, 2019
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