D. Carlos. O Mexilhoeiro. 1908. Considerada a última pintura do monarca
Em 2 de outubro de 1873, D. Maria Pia passeava com os dois filhos D. Carlos e D. Afonso na Boca do Inferno, numa zona conhecida como Mexilhoeiro, quando de repente uma onda arrasta o pequeno Carlos. O faroleiro atira-se ao mar e resgata-o, mas na confusão o seu irmão cai também à água. D. Maria Pia, sem hesitação, mergulha e agarra-o e o faroleiro acaba por ajudar ambos a subir para um rochedo, onde já se encontrava a salvo D. Carlos.
A confusão não acabou aqui. O visconde de Moçamedes vendo o chapéu de D. Maria Pia a boiar na água, julgando que a rainha se estava a afogar, atira-se também ao mar, enquanto em terra as damas de companhia desatam aos gritos. O que começara como um tranquilo passeio de outono, podia ter acabado em tragédia.
Este episódio foi noticiado pelos jornais e o faroleiro da Guia foi considerado herói nacional e condecorado com a Ordem de Torre e Espada pelo pai dos príncipes, D. Luís, rei de Portugal.
Entretanto, o Teatro do Príncipe Real, estreado em 1866, leva à cena a peça O Faroleiro Salvador de Príncipes, do então famoso dramaturgo Luís de Araújo. No final de cada representação aparecia António de Almeida Neves, o faroleiro, exibindo a sua condecoração e a plateia delirava.
Em 1926, o faroleiro deu uma entrevista ao repórter X onde afirmava: "Havia de os salvar a todos, não fosse eu mais forte do que o mar que me revelava todas as noites os seus mistérios, sob a luz do meu farol". (Saraiva 81)
Segundo António José Saraiva, a maneira hiperbólica como o faroleiro descreveu os acontecimentos pode estar na origem da palavra faroleiro, além de guarda de farol designar alguém gabarola.
Rui Ramos na sua biografia de D. Carlos revela que no dia do funeral de D. Carlos havia um velhote desconhecido e muito desgostoso com uma medalha ao peito, que insistiu em acompanhar o caixão de D. Carlos a pé, durante todo o percurso, do Palácio das Necessidades até S. Vicente de Fora. Intrigado, o médico da Casa Real, Mello Breyner, descobriu depois quem ele era: o faroleiro, que trinta e cinco anos antes salvara D. Carlos. (Ramos 341)
Estátua de D. Carlos em Cascais
Referências:
José António Saraiva. O Homem Que Mandou Matar o Rei D. Carlos. Gradiva. 2024
Raquel Henriques da Silva e Maria de Jesus Monge, El-Rei Dom Carlos Pintor. Fundação da Casa de Bragança. 2007
Rui Ramos, D. Carlos. Círculo de Leitores, 2006