Uma das últimas conversas que me lembro de ter com o meu pai, que morreu quando eu tinha 7 anos, foi sobre a minha pergunta: qual a diferença entre um "homem" e um "senhor"!? Ficaram meio atrapalhados, os meus pais e quiseram saber o que tinha motivado a questão. Expliquei que na escola tinham tocado à campainha e um colega disse à professora que era um senhor... A pessoa em questão levava um cesto de fruta para vender e a professora disse logo que não era um "senhor", mas sim um "homem".
O meu pai respondeu que devia então perguntar à professora se o seu marido, que tinha um talho no mercado municipal, era um "homem" ou um "senhor". A minha mãe, logo toda nervosa, “ Oh Zé, não vês que ela vai dizer isso para a escola!? “ Na verdade não contei. Fiquei “esclarecida” e ainda me recordo.
Na minha infância, a estratificação social era mais marcada. Daí haver diversas formas de tratamento correspondentes ao que as pessoas consideravam ser diferenças de nível social.
Atualmente, há muita banalização das maneiras, talvez para dar uma ideia de nivelamento (por baixo). Já não me choca tanto, mas quando começaram os telefonemas dos call centers com sondagens era raro o dia que não telefonavam para falar com a “Senhora Teresa”. Respondia que a Srª Teresa já tinha saído. Lembro-me de uma colega dar a mesma resposta e, perante a insistência do interlocutor, respondeu-lhe que a Sra tinha ido para Guantánamo.
in O Funchal na obra de Max Römer |
Há alguns anos, Sra Teresa, por exemplo, seria usado para uma mulher considerada de estrato social mais baixo. Assim, na época em que não havia máquinas de lavar ou secar, a lavadeira da nossa casa era a Sra Augusta, que vinha buscar a roupa a casa num enorme saco de pano, que transportava na cabeça e a engomadeira era a Sra Teresa.
Depois havia o Dona (nível intermédio) e o Senhora Dona. – contraído de forma a soar Sôdôna apropriado a quem se desejava demonstrar respeito, como o Sôtora (Senhora Dra.).
Depois havia o Dona (nível intermédio) e o Senhora Dona. – contraído de forma a soar Sôdôna apropriado a quem se desejava demonstrar respeito, como o Sôtora (Senhora Dra.).
Hoje em dia, trato a empregada, que já não é jovem, por D. Rosalina. Se fosse mais nova utilizaria só o primeiro nome.
Podem tratar-me por Dona ou Senhora Dona, que é como deve ser, mas por favor Senhora Teresa, NÃO. Há tempos fiz fisioterapia num sítio na Av. da República, que não recomendo, até pela história que se passou comigo. Não é que tratavam todas as pessoas pelo primeiro nome!? Pessoas de uma certa idade…Na minha opinião pode-se mostrar carinho e ao mesmo tempo respeito. Dessa maneira, nada implica que uma jovem chame ou trate alguém mais velho, que tem idade para ser sua avó, pelo nome próprio, apenas porque uma qualquer função ou tarefa lhes dá alguma ascendência momentânea sobre a pessoa mais idosa. Essa tentativa de criar falsa intimidade só provoca desconforto. Aliás, na minha opinião esse tipo de regra de distanciamento saudável e educado deve-se aplicar no relacionamento com clientes e evitar-se o horroroso você, infelizmente tão vulgarizado nos tempos que correm...
Para os homens há uma certa diferença. O tratamento pelo apelido nos homens é uma forma deferencial, uma consideração. A um homem que se chame Paulo Silva devo tratar por Senhor Paulo Silva ou Senhor Silva, nunca por Senhor Paulo. Se tiver direito ao título de Dr, fica Sr. Dr. Paulo Silva e nunca Dr. Paulo, como se ouve nos Centros de Saúde…
Podemos sempre dizer que em português há uma maneira simplificada e educada de tratar as pessoas usando o verbo na terceira pessoa, omitindo o sujeito (indeterminado) com o uso de "senhor/a", como por exemplo "o senhor/a…….por favor?
Já que comecei a escrever sobre formas de tratamento, antes da influência brasileira, recordo-me que no meu tempo de adolescência o "você" era fino. Era tratamento entre "queques" da rapariga para o rapaz ou vice-versa, assim como o "menino" e, sobretudo, a "menina"...Era como que uma marca social, semelhante como chamar "tio" ou "tia" aos pais de amigos mais íntimos ou próximos .
Hoje em dia, como sabemos, as convenções sociais, designadamente no convívio entre pessoas, estão muito subvertidas. As fórmulas antigas não foram substituídas por outras e reina certa confusão…Depois, como diria a minha avó, há muita falta de chá...
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