Isabel II do Reino Unido enfrentou imensos desafios, desde que se tornou Rainha em 1952.
Uma semana após a morte daquela monarca, em 8 de setembro, o meu marido ofereceu-me a sua biografia, publicada este ano. Resolvi assinalar algumas curiosidades que não conhecia e, talvez, esquecidas por muitos...
O tecido do vestido do casamento, em 1947, teve de ser «defendido» pelo secretário privado do rei, Lascelles, quando os jornais insinuaram ser proveniente de bichos da seda japoneses: «os bichos da seda eram chineses e o material foi tecido na Escócia e em Kent». O costureiro Norman Hartnell cumpriu os desejos da Rainha com bordados florais, que representavam a Commonwealth.
Muitos dos ingredientes para o bolo de casamento vieram das Guias da Austrália, que forneceram açúcar, farinha e frutas cristalizadas. No total foram expostas 2.583 presentes de casamento que incluíram um pano tecido por Gandhi, um cavalo, uma máquina de lavar e 148 pares de meias (em 1947 ainda havia um sistema de racionamento). Pags 93 e 126
Em 1949, foram viver para Clarence House, completamente renovada, pois tinha sofrido com os bombardeamentos. O preço ultrapassou o orçamento e também porque possuía um projetor (oferta da indústria cinematográfica) e uma televisão na sala dos empregados (oferta de Lord Mountbatten) houve descontentamento público. Pag 101
Em 1950 , foi publicado o livro The Little Princesses, da autoria da ama das princesas Isabel e Margarida, apesar de ter sido avisada que quem trabalha para a Família Real tem a obrigação de ser discreta. A ama foi despedida e até ao presente a expressão «doing a Crawfie» faz parte do vernáculo do Palácio. Crawfie era o nome como a ama era conhecida. Pag 109.
Em 1957, fez a primeira visita a França como Rainha. Houve um momento de pura comédia no Louvre, durante o jantar, quando a Rainha lamentou o facto de nunca ter visto a Mona Lisa de Leonardo da Vinci.. Quinze minutos depois dois homens entraram na Sala com o quadro e colocaram-o inclinado sobre uma cadeira... Pag 152
Anos mais tarde, em França, fez um discurso muito comentado, onde comparou os dois países com azeite e vinagre, tão diferentes, mas tão essenciais para fazer molho vinagrete (segundo consta a sua especialidade nos churrascos em Balmoral)
A viagem aos EUA foi um grande sucesso, levando os jornais a afirmar que tinha enterrado para sempre Jorge III. Pediu para assistir ao vivo a um jogo de futebol americano e, no regresso, quis conhecer um supermercado, pois ainda não existiam no Reino Unido.
Noutra visita, quando era Presidente George W. Bush deu-se a maior gafe da história do protocolo americano, quando o podium não foi arranjado a pensar na pequena estatura da Rainha. Daí o nome do episódio «chapéu falante»...
Muita tinta tem sido gasta a escrever sobre a possível «rivalidade» entre a Rainha e Jackie Kennedy. O autor refere que realmente havia um grande contraste entre as duas. Numa receção a Rainha tentava falar com o maior número de pessoas, enquanto que Jackie falava com muito poucas. Outro detalhe é que a Rainha cumpria sempre o programa estabelecido, ao passo que a mulher do Presidente americano cancelava compromissos, se achava que estava demasiado calor, deixando as pessoas nas ruas à espera, sem nunca aparecer. Pag 167
A Rainha recebeu todos os Presidentes americanos exceptuando Lyndon Johnson. Com os Obama chegou a recebê-los informalmente, sendo este e George Bush (filho), os que o autor mais refere.
Helmut Schmidt não deve ter causado boa impressão ao apagar o cigarro no pires... Não é quebra de protocolo. É má educação.
O ditador Ceausescu e a mulher também estiveram em Buckingham. Não confiavam no pessoal do Palácio e tinham todas as conversas ao ar livre, no jardim. Anos mais tarde, a Rainha confessou que se escondeu atrás de um arbusto, quando passeava os cães no jardim e os viu, para não ter que socializar com o casal romeno.
Com muitas visitas de estado ao longo do seu reinado, foram numerosos os presentes recebidos. Da parte da Rainha era sempre o mesmo: uma taça de prata gravada (como existe um exemplar no Museu da Presidência em Lisboa, oferecida ao Presidente Ramalho Eanes).
Margaret Thatcher tinha por hábito fazer uma reverência tão exageradamente baixa, que as pessoas já brincavam se seria capaz de se levantar.
Em 2013, a Rainha foi ao funeral da ex-PM, que viveu os seus últimos dias no Hotel Ritz, conferindo o mesmo respeito, que tinha mostrado por Churchill.
Na visita a Marrocos, com Hassan II, que costumava atrasar-se, o voo teve de ficar no ar a dar voltas, até ele chegar para cumprimentar a Rainha. Foram muitos os casos de espera e para o jantar oferecido no iate Britannia , Hassan II perguntou-lhe se podia alterar a hora para mais tarde e ela respondeu-lhe que isso não era possível, porque os convites tinham sido feitos e haveria muitas pessoas à espera, mas se ele tivesse que chegar atrasado ela compreenderia. Realmente passou quase uma hora até a chegada do rei com uma comitiva de muitas pessoas não convidadas...
Outra das visitas que não foram bem sucedidas, apesar de os motivos serem diferentes, foi a Dresden em 1992, onde encontrou uma multidão com cartazes a recordar os bombardeamentos dos Aliados que destruiram completamente a cidade, em fevereiro de 1945. Até atiraram ovos, mas a Rainha não foi atingida.
Dresden contrastou com o bom acolhimento que teve noutras cidades alemãs. Na Embaixada, ficou muito bem impressionada com a governanta, Angela Kelly, a qual pouco depois foi convidada para ser auxiliar no Palácio do guarda-roupa da Rainha, mantendo-se até ao presente como desenhadora de alguns modelos e confidente da Rainha.
Sempre que Mandela passava por Londres recebia um convite para almoçar com uma amiga que alegremente chamava de «Elizabeth». Foi o único líder mundial que cumprimentou a Rainha com a frase: «Oh, Isabel, perdeu peso». Pag 372
A única bandeira hasteada no Palácio de Buckingham era o Estandarte Real. Quando a Rainha não estava não havia nenhuma bandeira. Sempre foi assim até 1997. Quando Diana, princesa de Gales morreu a televisão fez um grande espalhafato pelo facto de não mostrarem respeito e colocarem a bandeira a meia haste. Esta nunca está a meia haste, porque há sempre um monarca. Nem quando o Rei Jorge VI, o pai da Rainha, morreu, em 1952, isso aconteceu. Para o funeral de Diana a Rainha concordou em substituir o estandarte pela Union Jack e colocá-la em meia haste. Essa mudança no protocolo continuou. Atualmente, se o monarca está no Palácio é colocado o Estandarte Real, se estiver fora, este é substituido pela bandeira do Reino Unido.
Quando a Rainha regressou a Londres e saiu para ver os milhares de flores deixados no Palácio, aproximou-se de uma menina com umas rosas, por trás da vedação e perguntou-lhe se queria que as colocasse junto às outras. A menina, ao ver a Rainha com um ar tão triste disse: «Não, estas são para si»
Em Greenwich foi contruída a Arena do Milénio, um projeto governamental. Aqui vemos a Rainha mostrando pouco entusiasmo na celebração. Um ano depois fechou e custou muito mais caro que o iate Real, que teve de deixar de navegar devido aos seus custos de manutenção. Hoje em dia está ancorado na Escócia.
Em 2000, permitiu que Lucien Freud pintasse o seu retrato. Conhecendo o estilo pouco tradicional do pintor, que a apresentou com um ar tão severo e antipático, isto revela muito sobre a sua autoconfiança.
No discurso ao povo norte-americano após os atentados em Nova Iorque disse a famosa frase «A dor é o preço que pagamos pelo amor»
Em privado, a Rainha sempre fez humor com as anedotas que corriam; como a do presidente Chirac na Rússia com Putin e Schroder ter afirmado que não se podia confiar num povo que tinha uma cozinha tão má. Depois da Finlândia, o Reino Unido era o país com pior comida, segundo aquele Presidente francês, que falou sem saber que tinha sido apanhado por um microfone...
Nos EUA, brincou com Bush filho, que trocara num discurso as datas 1976 com 1776.
«Acho que devo começar o meu brinde dizendo quando eu estive aqui em 1776...»
Fidel era um admirador da Rainha. Assim como ela era muito pragmático. Um dia um socialista de Antigua mencionou-lhe que era sua ideia acabar com a Rainha como chefe de Estado, ao que Fidel lhe perguntou: «ela interfere? Não? Então porque queres fazer isso? Queres ter uma ilha turística e ela é boa para mostrar a tua estabilidade» Pag 462.
A monarquia no Reino Unido tem-se adaptado aos nossos tempos. São os pequenos passos que contam. Em 2018, após a morte de Aretha Franklin, a Mudança da Guarda foi feita ao som de
Respect.
Os 70 anos de reinado de Isabel II, que governou até aos 96 anos e deu posse à nova PM em Balmoral dois dias antes da sua morte, são um exemplo de dedicação. Não se pode esquecer da promessa que fizera aos 21 anos: «I declare before you all that my whole life whether it be long or short shall be devoted to your service and the service of our great imperial family to which we all belong» Os tempos mudaram muito. Já não tinha Império, mas uma Commonwealth...
O que terá motivado a Rainha durante todos estes anos? Na sua última mensagem de Natal afirmou que não teria conseguido sem o seu amado Philip...
Nota: Todas as fotografias foram tiradas da net.
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