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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Vermeer no Rijksmuseum



Nunca se reuniram tantos quadros de Vermeer numa exposição como a que está a decorrer no Rijksmuseum em Amsterdão, de 10 de fevereiro a 4 de junho deste ano. As 28 obras, três quartos das que sabemos existirem daquele pintor, fazem desta mostra um marco difícil de repetir.

A exposição levou oito anos a preparar e o conhecimento, em 2015, que o museu Frick Collection em Nova Iorque, que normalmente não empresta as suas obras (possui 3 Vermeers) iria estar fechado para renovações,  fez com que a ideia da exposição avançasse...

Desde a redescoberta de Vermeer no século XIX pelo crítico de arte Théophile Thoré,  o seu catálogo tem sofrido algumas mudanças. Das 34 obras atribuidas ao pintor flamengo o número aumentou, recentemente, para 37.

Esta exposição pode gerar alguma controvérsia, pois o ano passado o Rijksmuseum confirmou a autenticidade de 3 quadros, que tinham sido questionados por peritos, como Rapariga com Flauta, a qual, há pouco tempo, a Galeria Nacional de Washington afirmara acreditar não ser genuína...



As outras duas são Santa Praxedis (do Museu Nacional de Arte Ocidental de Tóquio) e Jovem Sentada ao Virginal (da Leiden Collection).
O processo de autenticação de obras está cada vez mais rigoroso e científico. Os museus Rijksmuseum e Mauritshuis, em colaboração com a Universidade de Antuérpia levaram a cabo uma pesquisa utilizando a tecnologia mais sofisticada.

 O geógrafo e o astrónomo, os únicos Vermeers com homens na figura principal




Os homens interrompem por vezes as cenas tranquilas só com mulheres como O copo de Vinho, emprestado pela Gemäldegalerie de Berlim.












As recentes pesquisas e uma nova biografia publicada pelo Rijksmuseum revelaram influência jesuita nos seus quadros, nomeadamente através da utilização do efeito da câmera escura.

Com este aparelho ótico, a luz, refletida por um objeto externo, entra através do pequeno orificio da caixa e atinge a superfície oposta, formando uma imagem invertida, a qual, no entanto, com a utilização de espelhos permite que a imagem projetada não fique ao contrário (este principio esteve na base da invenção da fotografia, no início do século XIX).

A luz e a ótica eram vistas pelos jesuítas como uma ferramenta para a observação da luz divina. Os efeitos da iluminação típicos da câmera escura podem ser vistos nos quadros de Vermeer, deixando poucas dúvidas que se inspirou naqueles conceito e aparelho, focando a luz num ponto e desfocando o resto, como se pode observar no quadro da mulher a fazer renda.


Através da observação dos quadros de Vermeer, foi possível ver como refez alguns trabalhos, até atingir o resultado pretendido. Na obra A Leiteira, por exemplo, onde é quase possível «ouvir o som» do leite a derramar na taça e  sobressai a utilização da cor azul obtida do lápislazuli, a parede estava ornamentada, mas Vermeer pintou por cima para que a mulher fosse o principal foco.  Ao fundo um friso de azulejos de Delft...

Quanto menos obras são atribuidas a um pintor, mais este se torna consagrado, de maior valor financeiro e um destaque nas exposições. Os quadros de Vermeer são tidos como jóias da coroa das coleções dos respetivos museus. 







Sete das obras expostas não são vistas na terra natal do pintor, há mais de 200 anos, como este Oficial com Rapariga a Sorrir, da Frick Collection

Felizmente soubemos da exposição pelo meu filho e comprámos logo os bilhetes para a visita, pois, mesmo antes da estreia, já tinham sido vendidos 200.000 bilhetes e alargado o horário de visita. A venda online teve de ser suspensa.

Sabe-se pouco acerca da sua vida, envolta em aura de mistério, daí que Johannes Vermeer (1632-1675), que sempre viveu na sua cidade,  se tenha tornado conhecido como «a esfinge de Delft». Não sabemos quem foi o seu mestre.

A igreja Nova e a Igreja Velha de Delft, onde Vermeer foi batizado e sepultado


Em 1653 aderiu à corporação de pintores de Delf.
Vivia humildemente numa casa com os onze filhos, a mulher e a sogra, Maria Thins.
Morreu pobre - a sua viúva teve de vender todos os quadros que possuia a troco de uma pensão.





Além dos seus quadros nada resta do que lhe pertenceu, nem uma carta, apesar destas serem o tema de seis dos quadros em exposição.


Rapariga a Ler Carta junto à Janela Aberta, que veio de Dresden, onde foi restaurado recentemente, vê-se um quadro de Cupido na parede ao fundo, o qual não estava visível, pois tinham pintado por cima, numa restauração, após a morte do pintor. Recentemente resolveram deixá-lo a descoberto. Mas que bem que fica...

Aliás o cupido aparece noutro quadro: 

Mulher Jovem de pé junto ao Virginal, emprestado pela National Gallery,  Londres.


O seu trabalho foi pouco reconhecido durante a sua vida, talvez porque num país fortemente protestante, Vermeer converteu-se ao catolicismo, quando tinha 21 anos para casar com Catarina Bolenes de quem teve 15 filhos (4 morreram muito cedo). Outro aspeto será o facto de ter produzido pouco, em comparação, por exemplo, com as 300 obras de Rembrandt.


Os temas religiosos fizeram parte dos primeiros quadros da sua carreira. 
Alegoria da Fé Católica, do Metropolitam Museum of Art em Nova Iorque e  Cristo na Casa de Maria e Marta da National Gallery of Scotland.
Não há nenhum quadro de Vermeer que mostre o seu aspeto ou,  como fez Giorgio Vasari para os artistas do Renascimento, (Vida dos Artistas) o relato da sua biografia. Ficaram os quadros deste pintor excecional com uma habilidade para capturar a beleza da vida do dia a dia em Delft num ambiente de grande tranquilidade- que não seria com certeza o ambiente que tinha com tantos filhos a viver na mesma casa...  Usou a luz (de prefência vinda de uma janela do lado esquerdo da tela) e a cor para criar uma atmosfera que parece real e que por vezes nos faz sentir intrusos na intimidade daquelas mulheres...


Na obra A Alcoviteira, que veio de Dresden, há quem diga que Vermeer podia ser uma das figuras masculinas, mas não há provas nem outro elemento de comparação...



O que é curioso sobre este quadro é o facto de ter sido inspirado no do pintor Dick van Barburen, com a mesma temática, que devia existir na casa onde vivia, pois aparece na obra Jovem Sentada ao Virginal, de Vermeer, na parede do fundo.


Vermeer também experimentou o género em voga na sua época entre os pintores neerlandeses, que foi a criação de tronies. A diferença entre  os retratos e estes  são que, enquanto os primeiros representam uma figura identificável, os tronies são fruto da imaginação do pintor para experimentar expressões faciais e iluminação, muitas vezes usando adornos que não eram da época. O tronie mais famoso de Vermeer é a Rapariga com Brinco de Pérola. Apesar dos esforços para saberem quem era a bela jovem, representada, com um turbante oriental e uns brincos de pérola, que seriam demasiado caros para serem objeto comum numa jovem, os esforços foram em vão. Tratou-se de uma invenção do pintor. 

A escritora Tracy Chevalier, que esteve na antestreia da exposição, gosta tanto do quadro Rapariga com Brinco de Pérola que até escreveu um bonito romance com o mesmo nome, o qual no cinema foi interpretado por Scarlett Johansson e Colin Firth, como o próprio Vermeer.



Os outros tronies expostos vieram de Washington: Rapariga com Flauta e Rapariga com Chapéu Vermelho (em ambos a luz vem do lado direito da tela, excecionalmente).

Na exposição sobre Vermeer, que tive o prazer de visitar na sexta-feira, as obras estão expostas em 10 salas.  Não seguem uma ordem cronológica, mas sim temática. Há paredes onde só está uma pintura e a informação foi reduzida ao essencial, o importante são os quadros. 



Começa com Vista de Delft e Pequena Rua, para criar o ambiente.

Gostaria de salientar a beleza do enquadramento simples, mas muito elegante das salas, todas de cor escura para realçarem as obras, com uns cortinados e bancos da mesma cor e material, acentuando o ar requintado.
As visitas têm hora marcada e não se via nenhum aglomerado de pessoas. Havia espaço para todos e dava gozo ver o ar de prazer de toda a gente em poder admirar aquelas obras primas. Da parte dos vigilantes,  não ouvi um único «chegue-se para trás» nem sobretudo o barulho de alarmes, quando alguém tocava o cordão de separação. Curadores e funcionários de todos os museus: vejam e aprendam.



A proveniência das obras expostas: 4 são propriedade do Rijksmuseum, em Amsterdão e 3 do Mauritshuis, em Haia (incluindo A Rapariga com o brinco de pérola, que só vai estar exposta, até 30 de março). As restantes obras emprestadas estão sobretudo na Europa, mas vieram também dos EUA e Japão.

1-A Lady Writing, 1664–67, National Gallery of Art, Washington 
2-A Young Woman seated at a Virginal, c. 1670–72, The National Gallery, London 
3-A Young Woman standing at a Virginal, 1670–72, The National Gallery, London 
4-Allegory of the Catholic Faith, 1670–74, The Metropolitan Museum of Art, New York
5-Christ in the House of Mary and Martha, 1654–55, National Galleries of Scotland, Edinburgh
6-Diana and her Nymphs, 1655–56, Mauritshuis, The Hague 
7-Girl Interrupted at Her Music, c. 1659–61, The Frick Collection, New York 
8-Girl Reading a Letter at an Open Window, 1657-58, Gemäldegalerie Alte Meister, Dresden 
9-Girl with a Flute, 1664–67, National Gallery of Art, Washington 
10-Girl with a Pearl Earring, 1664–67, Mauritshuis, The Hague  
11-Girl with the Red Hat, 1664–67, National Gallery of Art, Washington 
12-Mistress and Maid, c. 1665–67, The Frick Collection, New York 
13-Officer and Laughing Girl, 1657-58, The Frick Collection, New York 
14-Saint Praxedis, 1655, Kufu Company Inc., The National Museum of Western Art, Tokyo
15-The Geographer, 1669, Städel Museum, Frankfurt am Main 
16-The Glass of Wine, c. 1659-61, Staatliche Museen zu Berlin, Gemäldegalerie
17-The Lacemaker, 1666–68, Musée du Louvre, Paris 
18-The Love Letter, 1669-70, Rijksmuseum, Amsterdam 
19-The Milkmaid, 1658-59, Rijksmuseum, Amsterdam 
20-The Procuress, 1656, Gemäldegalerie Alte Meister, Dresden
21-View of Delft, 1660-61, Mauritshuis, The Hague  
22-View of Houses in Delft, known as ‘The Little Street’, 1658-59, Rijksmuseum, Amsterdam
23-Woman Holding a Balance, ca. 1662–64, National Gallery of Art, Washington
24-Woman in Blue Reading a Letter, 1662-64, Rijksmuseum, Amsterdam 
25-Woman with a Pearl Necklace, c. 1662-64, Staatliche Museen zu Berlin, Gemäldegalerie
26-Woman Writing a Letter, with her Maid, 1670–72, National Gallery of Ireland, Dublin
27-Young Woman Seated at a Virginal, c. 1670‐72, The Leiden Collection, New York
28-Young Woman with a Lute, 1662–64, The Metropolitan Museum of Art, New York




Algumas obras não puderam ser emprestadas quer pelo seu estado de conservação (A Arte de Pintar do Museu de História de Arte, em Viena) quer pelas condições rigorosas de doações (A criada adormecida e Estudo de mulher jovem do Metropolitan Museum of Art); A Lição de Música (da Royal Collection do Palácio de Buckingham)...

Mulher com jarro de água (Metropolitan Museum of Art); Mulher com Alaúde (Kenwood House, London); Mulher com copo de vinho (Museu Herzog Anton Ulrich, Braunschweig) e O astrónomo (emprestado ao Louvre de Abu Dhabi) são as oito obras de Vermeer que não estavam expostas...

...e claro O Concerto, roubado em 1990 do Museu Isabella Gardner em Boston.






Se não tem oportunidade de visitar a exposição, até porque desde a semana passada que está esgotada, não perca o visionamento digital:


https://www.rijksmuseum.nl/en/johannes-vermeer?ss=







Foi uma experiência única. Uma exposição que só ocorre uma vez na vida de uma pessoa...





Sobre Vermeer no meu blogue:

Vermeer: A Arte de Pintar





Referências:

https://www.theguardian.com/artanddesign/2023/feb/03/chance-of-a-lifetime-vermeer-exhibition-to-open-in-amsterdam

https://www.nytimes.com/2023/02/09/arts/design/vermeer-painter-rijksmuseum-review.html

https://www.dutchamsterdam.nl/17901-vermeer-exhibition-rijksmuseum-amsterdam

https://www.theartnewspaper.com/2023/02/17/the-big-review-vermeer-at-the-rijksmuseum-?

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