As mil e uma vidas da cortiça
por Carla Amaro in
Diário de Noticias Magazine. O que é design nacional é bom
É dela o famoso Puf-Fup e a não menos conhecida Lagarta. O primeiro é um puf que não é mais do que um longo cordão de 2500 esferas de cortiça natural, com dois centímetros e meio de diâmetro cada uma. O outro é um assento, também em cortiça negra, desenhado de modo a poder ser adquirido individualmente ou em módulos e que, encaixados uns nos outros, tomam a forma de uma lagarta ou outra que se queira. Se Ana Mestre tivesse que escolher as duas peças mais icónicas da sua autoria, escolheria estas, por serem as que «melhor permitem uma interação com o utilizador, permitindo que este contribua para o design final da peça.» No caso da Lagarta, «a configuração final depende da forma como se juntam os módulos». O Puf-Fup «pode ter múltiplas formas de assento, conforme a quantidade de voltas que se der ao cordão».
Desde a sua primeira apresentação internacional com o Puf-Fup (em Londres, em 2005, na galeria Viaduct), que as peças de Ana Mestre têm percorrido o mundo, em participações como o Destination Portugal, noMoMA em Nova Iorque, ou o Ano de Portugal no Brasil, na Clark Art Center no Rio de Janeiro. São apenas alguns exemplos, entre dezenas, de exposições com a marca Corque Design, que criou em 2009.
Licenciada em design industrial e com um mestrado em energias renováveis, não é de estranhar que esta designer de 35 anos não conceba um trabalho sem ter em conta «o conceito de "design para a sustentabilidade", que pressupõe um equilíbrio entre os três pilares da sustentabilidade: ambiental, social e económica». Esse equilíbrio encontra-o na cortiça, que utiliza exclusivamente nas peças da Corque Design.
Sendo a matéria-prima que Portugal mais produz e exporta - temos a maior área de sobreiros no mundo, com 736 700 hectares-, para a designer fazia todo o sentido desenvolver produtos portugueses recorrendo a um material que existe em fartura no nosso país e que apresenta um enorme potencial para o design: «A cortiça tem características táteis muito diferentes dos outros materiais, no que toca por exemplo ao aspeto sensorial, à suavidade, leveza e textura. Além disso, é muito fácil de manusear.»
Foram as peças em cortiça que lhe deram fama e reconhecimento, mas é o trabalho de pesquisa e investigação que desenvolve antes de pegar no lápis e no papel que a distingue dos seus pares. «O design é uma resposta às necessidades das pessoas, das indústrias, das empresas, e eu, enquanto designer, faço isso. Mas vou mais atrás no processo de pesquisa, vou à procura de aspectos culturais, sociais e ambientais e tento identificar oportunidades que ainda não estão no mercado para as concretizar, envolvendo também a indústria. Em geral, os designers respondem a briefings, a solicitações do mercado. Eu também, mas não me fico por aí.»
E também não se fica pela cortiça. Além de desenvolver experiências com outros materiais, por exemplo o bioplástico para fazer acessórios, está envolvida no projeto europeu Regio-Crafts, que pretende recuperar as técnicas ancestrais e os materiais tradicionais de cariz regional na Europa, entre os quais, a madeira, as fibras naturais, os têxteis e, claro, a cortiça. «No âmbito deste projeto, que pressupõe a troca de experiências entre países europeus, desenvolvi um banco de madeira, utilizando o desperdício da produção de socas típicas holandesas.» Mais um exemplo da combinação entre as componentes ambiental, social e económica, incontornáveis no seu trabalho, a que se junta, neste caso, uma outra, mais ligada à cultura, porque «um dos objetivos do Regio-Crafts é a recuperação do património do artesanato que se está a perder na Europa, muito por causa da produção industrial.»
por Carla Amaro
Fotografias: Corque Design no Facebook
http://www.dn.pt/revistas/nm/interior.aspx?content_id=3511707
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Muitos Parabéns, Ana Mestre!
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