A capa do livro é muito feliz, pois tem os elementos que vão ser explorados neste romance histórico, que tem a cidade de Bucareste como personagem principal.
Nicu, uma personagem transversal a todas as outras, é o moço de recados, que trabalha para o jornal Universul, que mostra ostensivamente aos leitores. Muitos factos narrados no livro são lidos neste jornal, publicado até 1953, quando o regime comunista o aboliu.
O mosteiro Sărindar foi demolido, por estar abandonado, pelo então Presidente da Câmara Nicolae Filipescu, que aos 30 anos estava determinado em fazer grandes coisas (pag. 162).
O ícone de Nossa Senhora desapareceu, durante a demolição e nunca foi encontrado.
O ícone de Nossa Senhora desapareceu, durante a demolição e nunca foi encontrado.
No seu lugar construíram o "Palácio Nacional do Círculo Militar". Existe uma fonte onde outrora ficava o altar.
Por último, o chapéu de coco usado pelos homens, no final do século XIX, onde no final do romance, são deixados pequenos papéis relativos à ordem pela qual os convidados usariam da palavra nos seus prognósticos acerca do futuro, no jantar da noite de 31 de dezembro de 1897.
Concordo com o posfácio de Mircea Cărtărescu: embora a obra possa ser catalogada como policial, pois desde as primeiras páginas desenrola-se um mistério, que percorre o romance, havendo um detective com semelhanças a Poirot ou de fantasia, pois Dan Crețu acorda num mundo do passado pouco familiar, trata-se sobretudo de a thing of beauty, como lhe chama o ensaísta romeno.
O livro conta a história dos últimos 13 dias do ano de 1897 em Bucareste em 13 capítulos narrados por diferentes personagens. No entanto, as partes com mais força são as de Iulia Margulis, uma jovem de 21 anos, filha do médico de prestígio Dr Margulis, que no seu diário e comportamento antecipa a emancipação feminina. É ela que dá o título à obra: com o diário que iniciei ontem comecei uma nova vida. Por conseguinte, a minha vida começa na sexta-feira (pag 46).
Ontem, decidi dar um passeio por Bucareste do passado e fotografar alguns belos edificios, na área, onde se desenrola a história. Muitas ruas mudaram de nome ou deixaram de existir e são referidas no epílogo, pela autora. Teria poupado trabalho, se tivesse lido antes, pois não encontrava nenhuma estrada Fântânei, hoje em dia chamada de Berthelot, onde se situa a Sala Radio, local da celebração do Dia de Portugal 2019.
Comecei o passeio, com o meu marido, na Strada Știrbei Vodă e a primeira paragem foi no palácio Kretzulescu, construído no principio do século XX (já o tinha ido mostrar à minha irmã). O principal objetivo do passeio era encontrar a Igreja de São Estevão, referida algumas vezes no romance.
A Igreja de S. Estevão, conhecida por "ninho de cegonha", foi uma das que foi "recolocada" durante o governo Ceaușescu, para dar lugar ao novo centro megalómano, mandado contruir por aquele ditador romeno. Já anteriormente me tinha referido a outras igrejas, que mudaram de sítio em Curiosidades e recentemente li um artigo sobre o engenheiro Eugeniu Iordachescu, que salvou muitas da destruição e mostra a Igreja de S. Estevão sobre carris. Hoje em dia, está rodeada de inestéticos prédios altos e fica na estrada Berzei.
Depois fomos em direção ao parque Cișmigiu, o mais antigo de Bucareste, onde Nicu gostava de ir ver a patinagem. Um dia até viu a bela princesa Maria a patinar com o marido: as mulheres caíam com mais graciosidade e agarravam nas saias à volta das pernas e então Nicu não ria, mas observava as pernas expostas (pag. 81). Na festa da véspera de Ano Novo, os baldes de Champagne continham pedaços de gelo trazido do lago Cișmigiu.
No caminho encontrámos, na Praça Cișmigiu, um bonito edificio, que pertence ao Ministério da Defesa (no Bulevardul Schitu Măgureanu), antes de voltarmos para a entrada pricipal do parque, que fica no Boulevard Elisabeta (nome da primeira rainha da Roménia, casada com Carol I). A primeira referência a esta avenida na obra de Ioana Pârvulescu é para indicar a localização do hotel Wilhelm, onde os alemães costumavam ficar instalados.
Entrada do Parque Cișmigiu
O cinema mais antigo desta avenida é de 1884 e a saída, nas traseiras, dava para a Rua Sărindar, que hoje em dia se chama Contantin Mille, o nome do diretor e dono do jornal Adevĕrul, fundado em 1871.
Chegámos à avenida mais emblemática de Bucareste: Calea Victoriei, muitas vezes mencionada no romance. Para a direita fica o velho centro da cidade, atualmente sempre animado e para a esquerda o histórico Capșa e o antigo Teatro Nacional, o qual ficou destruído durante a II Guerra Mundial, existindo no local, hoje em dia, um hotel, cujo pórtico é uma réplica do então mais famoso edifício desta capital.
O ex- Teatro Nacional é um hotel hoje em dia
Na margem do rio Dâmbovița, que passa por Bucareste e tem uma extensão de 286 km, dá-se o último grande duelo entre Nicolae Filipescu, político e diretor do jornal Epoca e George Emanuel Lahovari, diplomata e redactor do jornal L’Indépendance Roumaine, em língua francesa (referido na pag 109)
in Museu do Município de Bucareste |
São ainda mencionadas outras localidades para referir a extensão da cidade, desde o Palácio Cotroceni, atual residência oficial do Presidente da República e Obor, do outro extremo da cidade, onde está situado um grande mercado.
Por último, a referência que vem logo na primeira página, onde são encontrados dois homens não identificados deitados no chão na neve do bosque de Băneasa, hoje em dia uma zona completamente urbanizada.
A par das personagens fictícias há outras reais, como as que já mencionei e ainda: Brâncoveanu; Minovici; Lascăr Catargiu, primeiro ministro da Roménia, em quatro ocasiões com nome numa avenida na capital e onde foi erguida uma grande estátua em sua homenagem; Ion C. Brătianu; o Presidente de Câmara Robescu (quando queremos melhoramentos não há dinheiro, quando o há erguem estátuas, pag 198); e os grandes atores de teatro Grigore Manolescu e Frosa Sarandy.
Realmente a vida mudou muito em mais de um século. Naquela época, por exemplo, o prémio da lotaria era apenas 2.127 euros aos preços atuais e, entretanto o célebre espartilho, ficou completamente fora de moda. Esta peça de vestuário, tão incómoda e o desejo de não ter que usá-la, revela o espírito de libertação da jovem personagem Iulia e, em 1898, foi tema de uma conferência do Dr Dimitrie Gerota no Ateneu contra a sua utilização. Nessa data frequentava a escola de Belas Artes de Bucareste Constantin Brâncuși, que tenciono abordar em breve.
Tal como Iulia, também sinto pena, quando acabo de ler um bom livro (pag 239).
Ioana Pârvulescu nasceu em 1960 em Brașov, Roménia. É professora de Literatura Romena na Faculdade de Letras da Universidade de Bucareste. O seu último romance O Futuro começa à segunda-feira ainda não está traduzido.
Sem comentários:
Enviar um comentário