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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Rossini e a boa mesa

Gioachino Antonio Rossini 1792-1868 

O musicólogo e antigo diretor do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti, foi o convidado da primeira tertúlia organizada pelo jornal Público e o restaurante Eleven, em 2011 e os participantes  descobriram que a ópera e a cozinha têm mais em comum do que se imagina.

"A ópera não é a soma aritmética dos seus elementos", disse Pinamonti. "É mais do que essa soma." É exatamente como a cozinha. "Se tentarmos fazer um tornedó limitando-nos a juntar os ingredientes, não resulta." Para quem ouve, ou para quem come, a emoção vem de algo inexplicável. Rossini sabia disso - no teatro e à mesa.

Tornedó à Rossini

Rossini nunca foi um cozinheiro, nunca inventou nada, mas há muitas anedotas e pequenas histórias, que o ligam à cozinha e que ele próprio sempre alimentou, explicou Pinamonti. "Ele era muito amigo de Casimir Moisson, jovem chefe do restaurante parisiense Maison Dorée, e estava sempre a fazer-lhe sugestões e a interferir com o trabalho de Moisson."

O jovem chefe não queria ser desagradável para com o grande maestro, mas um dia terá mostrado alguma impaciência, dizendo que tinha que voltar para a cozinha, ao que Rossini terá respondido: "Et alors, tournez le dos!" (Então, vire as costas!). O Tornedó à Rossini, diz-se, teria nascido aí, desse "tournez le dos".


Stracchino

Pinamonti revelou ainda que Rossini era um entusiasta de stracchino, um queijo de leite de vaca, amanteigado, típico da Lombardia e que escrevia ao pai a pedir que lhe mandasse stracchino de Itália para França.





Ária do risotto

Em 1813, quando a ópera Tancredo estreou no La Fenice, em Veneza (do qual Pinamonti foi diretor artístico entre 1997 e 2000), a cantora Adelaide Malanotte ter-se-á queixado de uma ária, que lhe parecia demasiado longa. "Havia a tradição de se comer risotto", contou Pinamonti, "que é um prato que não pode ficar no fogão, tem que ser cozido no tempo certo. Por isso só quando os clientes chegavam ao restaurante é que o chefe perguntava "Vado con il riso?" [Avanço com o arroz?]. Rossini escrevia muito rapidamente e conta-se que a nova ária fora escrita no restaurante no tempo que o arroz demorou a cozer".

Mas seria profundamente injusto reduzir Rossini a um apreciador de boa comida e ao homem retratado em anedotas gastronómicas, embora, como diz Pinamonti, ele quisesse claramente "contrastar com a imagem do artista romântico, magro e desinteressado das coisas mundanas". Rossini era, acima de tudo, um grande compositor de ópera.



D. Luís e Rossini

Num almoço oferecido por D. Luis, onde também estava presente Castelo Melhor,  foi servido Tornedó à Rossini e consta que D. Luís terá dito: "Não vos vou maçar com a história do Rossini e do tournedos, porque já conhecem certamente, mas vou vos contar outra ... quando estive em Paris, entre outras coisas, apareci de surpresa em casa do Rossini. Aqui para nós, que ninguém nos ouve - e ri-se mais enquanto mete na boca mais um pouco de pão, agora com molho do turnedó- eu já tinha tudo combinado com o Rossini, mas quis encenar a aparição de mais um músico naquela casa, onde também estava, imaginem, o grande Verdi. Toquei violino, e cantámos todos juntos. Diverti-me imenso e só no fim da soirée é que todos os presentes, exceto o Rossini, que já sabia, ficaram a saber que eu era o rei de Portugal. Ahahah! (Xavier, 37)

Na fotografia, D. Luís (1838-1889) com o seu violoncelo stradivarius 'Chevillard-Rei de Portugal', classificado como Tesouro Nacional, uma das ”jóias da coroa” do acervo do Museu Nacional da Música. É o único instrumento em Portugal com a assinatura do construtor António Stradivari (1644-1737). O anterior proprietário foi o violoncelista belga Pierre Chevillard (1811-1877), que manteve o instrumento musical até à sua morte. Pouco tempo depois, o violoncelo passou para as mãos do monarca português, que tinha uma pequena coleção de instrumentos e era violoncelista amador.


Referências:

https://www.publico.pt/2011/05/21/jornal/tornedo-e-opera-num--jantar-inspirado-por-rossini-22044845

Xavier, António. Histórias do Palácio Foz. Aletheia, 2019

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