E, nas serras da Lua conhecidas
Sojuga a fria Sintra o duro braço;
Sintra, onde as Naiades, escondidas
Nas fontes vão fugindo ao doce laço
Onde Amor as enreda brandamente,
Nas águas acendendo fogo ardente.
Luís de Camões. Os Lusíadas, III, 1572
“O quê!, o maestro não conhecia Sintra?...Então era necessário ficarem lá, fazer as peregrinações clássicas, subir à Pena, ir beber água à Fonte dos Amores, barquejar na Várzea…”; e Cruges desvenda o seu mais vivo desejo: “- A mim o que me está a apetecer muito é Seteais; e a manteiga fresca”
(in Os Maias pag 220)
Ramalhão
D. Carlota Joaquina adquiriu o palácio do Ramalhão depois de se ter recusado a jurar a Constituição de 1822 e aqui viveu desterrada. Em 1941 o Palácio foi adquirido pelas Irmãs Dominicanas, que o transformaram num colégio, que se mantém ainda em atividade.
“ Mas a estrada entrava entre dois altos muros paralelos, donde soluçavam ramagens murmurosas. Era o Ramalhão. O ar parecia mais fino, como refrescado da abundância das águas. Sentia-se uma vaga serenidade de parques e arvoredos. Alguma coisa de suave e de elegante circulava. Havia o silêncio dos repousos delicados e das existências ocultas. Era o Ramalhão”
“ Vi-a numa noite doce,
Em que o rouxinol cantava:
E todo o céu se estrelava,
Luminoso pavilhão:
Era Sintra! Sinto ainda
O doce correr das fontes,
E a sombra nas nossas frontes
Das árvores do Ramalhão.
(in A Tragédia da Rua das Flores pag 134)
Apesar de já haver referências a este Palácio, quando D. Afonso Henriques reconquistou Lisboa em 1147, sofreu, posteriormente, muitas modificações. D. João I mandou construir as cozinhas com as enormes chaminés, que se tornaram o símbolo da vila e D. Manuel I acrescentou a ala Manuelina e redecorou o interior com azulejos, que são exemplares únicos do estilo Mudejar.
“ Só ao avistar o Paço descerrou os lábios:
- Sim, senhor, tem cachet!
E foi o que mais lhe agradou - este maciço e silencioso palácio, sem florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casario da vila, com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre semblante real, o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés colossais, disformes, resumindo tudo, como se essa residência fosse toda ela uma cozinha talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia come todo um reino…”
(in Os Maias pag 224)
O Palácio de Seteais
Em 1783, Daniel Gildmeester, cônsul holandês em Portugal, mandou construir o seu palacete em Seteais.
No final do século, a mansão foi vendida ao Marquês de Marialva, que fez obras de ampliação: é acrescentada uma nova ala e um arco triunfal, que passou a unir os dois corpos da casa e onde se colocou um medalhão com os bustos de D. João VI e D. Carlota Joaquina e uma inscrição em latim. Em 1946, a quinta foi vendida ao estado Português. Em 1955, o palácio abriu ao público, adaptado a um hotel de luxo. Diz a lenda que uma princesa moura cheia de saudades do seu amado, que partira para a guerra, foi largando suspiros e ao sétimo “ai” morreu. Contudo, parece que naquele espaço existiram campos de centeio ou de centeais, que se julga de onde veio o nome Seteais.
“Quantos luares eu lá vi?
Que doces manhãs d ´Abril?
E os ais que soltei ali
Não foram sete mas mil!”
(in Os Maias pag 235)
Palácio da Pena
Implantado no cimo da serra é fruto do génio artístico do rei D. Fernando II de Saxe Coburg-Gotha, o “rei artista”, casado com D. Maria II, que adquiriu as ruinas de um mosteiro, que se encontrava no mesmo local e mandou construir este palácio, incorporando várias influências arquitetónicas, ficando a constituir em Portugal o expoente máximo do romantismo.
“No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente, e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando-se vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro…”
(in Os Maias pag 241)
Lawrence´s Hotel
Em atividade desde 1780, o hotel Lawrence era a mais antiga unidade hoteleira da Península Ibérica. Depois de Lord Byron se ter hospedado ali em 1809, o hotel ganhou grande notoriedade, sobretudo durante a administração de Jane Lawrence, com a passagem pelos seus quartos de importantes figuras da elite intelectual da segunda metade do século, como o próprio Eça.
…”Via-se bem, á mesa da Lawrence, com os seus dois candeeiros de azeite, as duas janelas para o terraçozinho”
Outros hotéis são também referidos: O Nunes e Vítor.
O antigo hotel Nunes já não existe
“…enquanto vocês vão ao Nunes pagar a conta e dar ordens para o breque, eu vou-me entender lá abaixo à cozinha com a velha Lawrence e preparar-vos um bacalhau à Alencar, récipe meu… E vocês verão o que é um bacalhau! Porque lá isso, rapazes, versos os farão outros melhores; bacalhau não!” (in Os Maias pág. 247)
“Na praça, por defronte das lojas vazias e silenciosas, cães vadios dormiam ao sol: através das grades da cadeia, os presos pediam esmola. Crianças enxovalhadas e em farrapos, garotavam pelos cantos; e as melhores casas tinham ainda as janelas fechadas, continuando o seu sono de Inverno, entre as árvores já verdes”.
(in Os Maias pag 232)
“ os muros estavam cobertos de heras e de musgos: através da folhagem, faiscavam longas flechas de sol. Um ar subtil e aveludado circulava, rescendendo às verduras novas; aqui e além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; e naquele simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas de sol, sentia-se já, sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso fidalgo das quintas de Verão…”
(in Os Maias pag 223)
“Ega ia largar atarantadamente o embrulho, para apertar a mão que Maria Eduarda lhe estendia, corada e sorrindo. Mas o papel pardo, mal atado, desfez-se; e uma provisão fresca de queijadas de Sintra rolou, esmagando-se, sobre as flores do tapete. Então todo o embaraço findou através de uma risada alegre.”
Referências:
Berrini, Beatriz. Comer e Beber com Eça de Queiroz. Index, 1995
Queiroz, Eça de. A Tragédia da Rua das Flores. Moraes Editores, 1980
Queiroz, Eça de. Os Maias. Episódios da Vida Romântica.Livros do Brasil, s/d
Gaspar, Nuno e Gaspar, M. Um Passeio de Sintra até ao Mar. Artlandia, 2011
Matos, A. Campos (org). Eça de Queiroz. Postais Ilustrados. Livros Horizonte, 2006
Matos, A. Campos (org). Eça de Queiroz. Postais Ilustrados. Livros Horizonte, 2006
Ramalho, Margarida M. Escrever sobre Sintra. BytheBook, 2010
Rodil, João. Sintra na obra de Eça de Queirós.Sintra 2000