Dedicada
a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos, esta exposição foi uma colaboração
entre a Fundação Roberto Marinho e o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo
(Brasil), com o apoio da Fundação Gulbenkian.
Esteve aberta ao público de
10 de fevereiro a 6 de maio em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Agora, seguindo a exposição:
A primeira sala “ EU SOU MUITOS” é
dedicada a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos. “Tive sempre, desde criança,
a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus
rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos
por dentro das suas almas".
FERNANDO
PESSOA em 1935, descreveu-se como segue…
“ Nome Completo : Fernando António Nogueira Pessoa.
Idade
e naturalidade: nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires,
no prédio 4 do largo de S. Carlos (hoje do Diretório) em 13 de junho de 1888.
Filiação:
filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e D. Maria Madalena Pinheiro
Nogueira. […]
Profissão: a
designação mais própria será “tradutor”, a mais exata a de “correspondente estrangeiro
em casas comerciais”. O ser poeta e escritor não constitui profissão mas
vocação. […]
Educação: em
virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas
núpcias, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban […],
foi ali educado.
Dizem
que finjo ou minto
Tudo
que escrevo. Não.
Eu
simplesmente sinto
Com
a imaginação.
Não
uso o coração.
Tudo
que sonho ou passo,
O
que me falha ou finda,
É
como que um terraço
Sobre
outra cousa ainda.
Essa
cousa é que é linda.
Por
isso escrevo em meio
Do
que não está ao pé,
Livre
do meu enleio,
Sério
do que não é.
Sentir?
Sinta quem lê.
( “Isto”, 28-2-1929)
ÁLVARO
DE CAMPOS nasceu em 15 de outubro de 1890, em Tavira, no Algarve,
terra da família do pai de Pessoa. Segundo conta o poeta este heterónimo teve “uma
educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia,
primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente, de onde
resultou o “Opiário”. Agora está em Lisboa em inatividade."
Pode
ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei
Mas
poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
1928
A
minha pátria é onde não estou
“Opiário”, 1914
RICARDO
REIS ,
nascido no Porto, em 19 de setembro de 1887, estudou num colégio de jesuítas,
onde aprendeu latim, e formou-se em medicina. Estudou grego por conta própria.
Em carta a um amigo, Pessoa informa que Reis “vive no Brasil desde 1919, pois
se expatriou espontaneamente por ser monárquico, na sequência da derrota da
rebelião monárquica do Porto contra o regime republicano”
Segue
o teu destino,
Rega
as tuas plantas,
Ama
as tuas rosas,
O
resto é sombra
De
árvores alheias.
A
realidade
Sempre
é mais ou menos
Do
que nós queremos.
Só
nós somos sempre
Iguais
a nós próprios.
BERNARDO
SOARES, na definição de Fernando Pessoa, era um “semi-heterónimo”.
Comparando-se a ele, o autor afirma: “não sendo a personalidade a minha, é, não
diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e
a afetividade.
Se
imagino, vejo. Que mais faço se eu viajo?
Só
a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para
sentir.
ALBERTO
CAEIRO foi venerado como mestre pelos outros heterónimos e até
pelo seu criador, Fernando Pessoa. Nasceu em Lisboa, em 16 de abril de 1889,
mas passou a vida no campo, como “guardador de rebanhos”. O seu rebanho,
esclareceu num poema, eram os seus pensamentos, e seus pensamentos eram
sensações. Pouco instruído queria ver as coisas como as coisas são, sem
filosofia.
Quando
vier a primavera,
Se
eu já estiver morto,
As
flores florirão da mesma maneira
E
as árvores não serão menos verdes
Que
na primavera passada.
A
realidade não precisa de mim.
Além dos heterónimos,
Fernando Pessoa criou ao longo da vida dezenas de personalidades literárias. Entre
elas:
Charles Robert Anon, poeta
e prosador de língua inglesa.
Alexander Search,
poeta, contista e ensaísta de língua inglesa.
Joaquim Moura Costa,
poeta satírico e militante republicano.
Vicente Guedes,
poeta, contista e jornalista.
António Mora,
filósofo, sociólogo e teórico do neopaganismo.
Raphael Baldaya, astrólogo
e filósofo.
Barão de Teive,
prosador suicida.
Maria José,
autora de uma carta apaixonada.
Gaudêncio Nabos,
jornalista e humorista.
Na entrada para a sala
seguinte o retrato mais famoso de Fernando Pessoa de Almada Negreiros (1893-1970), que faz
parte da coleção da Fundação Calouste Gulbenkian e um painel cronológico de
Pessoa.
Podíamos ainda admirar pintura
de Amadeo de Sousa- Cardoso (1887-1918)
e Eduardo Viana (1881-1967) numa
zona dedicada aos modernistas portugueses.
Amadeo de Sousa-Cardoso
Eduardo Viana
Motivo de grande interesse constituía
a mostra de originais manuscritos, blocos de notas, o fac-simile da obra Mensagem
digitalizada e ainda a própria arca onde Fernando Pessoa guardava os seus trabalhos.
Lisboa, 7 de maio de 2012